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Apenas sorrindo

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Esse é meu jeito de encarar a vida...apenas sorrindo!!

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A “vacina” do planejamento urbano na luta contra a dengue.

Não se deve atribuir apenas aos estoques domésticos de água, feitos pela população paulista para enfrentar a crise hídrica, a eclosão da epidemia de dengue no Estado de São Paulo. A proliferação do Aedes aegypti em recipientes inadequados ou sem o devido lacre para o armazenamento do precioso líquido é apenas uma causa pontual, decorrente de problemas mais amplos, graves e antigos, ligados à precariedade do planejamento urbano no Brasil.

A dengue desencadeou-se em nosso país a partir de 1982, exatamente quando se consolidou a concentração habitacional no meio urbano, onde, segundo o IBGE, passaram a viver 66% dos brasileiros, ante 56%, nos anos 70, 45% nos 60, 36% nos 50 e 31% nos 40. Hoje, são 85%. O mosquito transmissor da doença, que havia sido praticamente “expulso” do meio urbano pela ação do médico Oswaldo Cruz no combate à febre amarela, no início do Século XX, instalou-se novamente nas cidades. Desmatamento desordenado, ocupação irregular do solo, incluindo áreas de mananciais, favelização, ligações clandestinas de água e seu acúmulo em pneus, garrafas e vasos, falta de orientação das famílias, déficit habitacional e de infraestrutura e precariedade das redes de esgoto constituem um grande caldo de cultura para a proliferação do Aedes aegypti.

Todas essas causas convergem para a falta de planejamento urbano. A ameaça de colapso no abastecimento de água é um claro indicativo disso. A população moveu-se rapidamente do campo em direção de cidades despreparadas para a expansão demográfica. E nenhum governante, ao longo de décadas, parece ter se preocupado com essas transformações. 

Somam-se a esse problema, algumas contradições na interpretação e aplicação das legislações, configurando-se um ambiente propício às epidemias, como a de dengue. Refiro-me, por exemplo, à questão legal relativa à ocupação do solo. Muitas vezes, são barrados judicialmente, sob o argumento da proteção ambiental, projetos de bairros planejados, com a devida preservação do volume de áreas verdes, abastecimento de água, redes de esgoto e coleta de lixo, tudo com padrão de excelência e alinhado aos preceitos de sustentabilidade.

Paradoxalmente, às vezes na mesma área ou adjacências, ocorrem invasões de terras, com total devastação da flora, ausência de saneamento básico e desrespeito a todos os preceitos ambientais. Não são raros os casos em que essas ocupações, muitas delas em áreas contaminadas ou mananciais hídricos, acabam se perenizando, por acomodação ou oportunismo político e sob alegações de benemerência social. Em muitas dessas localidades, o Estado sequer está presente, pois faltam escolas, unidades de saúde, transportes, segurança, estrutura e fiscalização sanitária. Quando existem, os serviços são pífios. Nessas áreas, o mosquito encontra todas as condições para se reproduzir em larga escala. Estamos errando muito no enfrentamento do problema.

Além da ausência de planejamento urbano, ocupação irregular do solo, desventuras políticas, demagogia, legislação restritiva a projetos sustentáveis e carência de infraestrutura, há ainda o fator educacional: estamos chegando ao absurdo de se cogitar a aprovação de uma lei municipal, na cidade de São Paulo, para obrigar as pessoas a deixarem os agentes públicos inspecionarem suas residências e realizarem ação sanitária contra o mosquito. Isso está diretamente relacionado à constrangedora 60ª colocação do Brasil, dentre 76 nações, no ranking mundial de educação, que acaba de ser divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em síntese, esbarramos mais uma vez, no problema crônico brasileiro: falta de políticas públicas de longo prazo. Diante da gravidade da situação, ações desesperadas do tipo “fumacê”, um produto altamente tóxico e de serventia duvidosa, pouco ajudam na solução definitiva do problema. Os hospitais superlotados que o digam! Precisamos de esforços bem mais elaborados de nossos legisladores, para melhorar e até, quem sabe, erradicar esse mal. E, sem medo de errar, aposto que este caminho permeia o contexto do ensino e do marco legal relativo ao uso e ocupação do solo urbano, com propostas mais realistas e menos ideológicas. Infelizmente, falta às nossas cidades e nosso país a “vacina” do bom senso e do planejamento, os mais eficazes agentes de imunização contra a dengue e outras doenças tropicais infecciosas.

17/06/2015 -

Luiz Augusto Pereira de Almeida *


terça-feira, 16 de junho de 2015

Remunicipalização da água é tendência mundial





Não é uma palavra fácil de pronunciar e ainda menos de implementar, mas a remunicipalização da água é considerada uma tendência mundial. Em 15 anos, 235 cidades e cerca de 106 milhões de habitantes retomaram a gestão do tratamento e fornecimento de água das mãos de empresas privadas. Entre elas, pequenos municípios de países pobres, mas também grandes capitais como Berlim, Paris ou Buenos Aires. França, berço da Suez e da Veolia, duas poderosas multinacionais que dominam o mercado da água no mundo, é hoje o reino das remunicipalizações, com 94 casos desde o ano 2000.
Embora no Brasil essa tendência seja observada de longe, Itu, o município no interior de São Paulo que sofreu drásticos cortes de água e protestos violentos no ano passado, anunciou a intervenção da concessionária, Águas de Itu. A intervenção do município de 155.000 habitantes ameaça a continuidade de um contrato que só acabaria em 2037 e abre as portas para que a remunicipalização do serviço possa acontecer no futuro.
O caso da capital do rio Sena é o mais emblemático para descrever o fenômeno, mas foi um processo complicado que foi proposto pela primeira vez em 2011, pelo então candidato a prefeito Bertrand Delanoë. Em 2010, Eau de Paris começou a atender os 2,2 milhões de habitantes da região metropolitana e assumiu os contratos de fornecimento de água, nas mãos da Veolia e da Suez desde 1985. Foi um desafio, pois era a primeira vez que o poder público recuperava um sistema dessa magnitude.
Eau de Paris economizou, no primeiro ano, 35 milhões de euros, graças a internalização dos dividendos antes destinados aos acionistas, e reduziu as tarifas em 8% em relação a 2009. Ainda é cedo para avaliar o sucesso total da operação, mas a cidade enterrou um sistema de gestão opaco e questionado, pois, no decorrer dos anos, Paris havia perdido o controle do que era feito nas entranhas subterrâneas do município.
Em 1987, havia se privatizado parcialmente o órgão responsável de fiscalizar as duas empresas. Criou-se a Société Anonyme de Gestion des Eaux de Paris (Sagep), uma sociedade de controle cujo capital vinha em um 70% da cidade, 28% de Veolia e Suez e 2% de um banco nacional público de investimentos. "As ações que as companhias privadas tinham na Sagep criaram um claro conflito de interesse, pois o órgão devia supervisionar a concessão, situação que, conforme foi dito em uma auditoria da cidade de 2003, criava um papel paradoxal e relações de associação que não são favoráveis a um exercício de controle", relata no livro Remunicipalização: O retorno da água a mãos públicas, Martin Pigeon, especialista em serviços públicos doCorporate Europe Observatory.
A Prefeitura também não tinha acesso à informação financeira fiável, nem dados sobre o estado da rede. Três auditorias questionaram desde 2001 a opacidade da gestão. Durante o domínio das companhias sobre o sistema as perdas da rede se reduziram de 22% em 1985 a 17% em 2003, e caíram até 3,5% em 2009 [ em São Paulo beiram 30% ]. Em compensação, as tarifas aumentaram 265% entre 1985 e 2009, enquanto o custo de vida aumentava 70,5%, segundo os dados recolhidos no livro Remunicipalização. Paris está hoje entre as 60 cidades que mais caro cobra pela sua água (14,5 reais por cada mil litros), segundo o estudo de 2014 realizado pela revista especializada Global Water Intelligence.
As dificuldades para que a remunicipalização seja também tendência no Brasil são, principalmente, um marco regulatório novo e uma infraestrutura carente. No país, apenas 304 municípios, 5% do total, têm algum tipo de concessão ou parceria com o setor privado para abastecer seus habitantes e eles mantêm concessões relativamente recentes considerando a duração deste tipo de acordos. Para se ter uma ideia, a primeira concessão privada, com prazo de 44 anos, foi assinada em 1995 no município de Limeira, em São Paulo, segundo o anuário da Associação Brasileira de Concessionárias (Abcon).
O país, subdesenvolvido nas questões de saneamento (quase 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede de água) também precisa de dinheiro para levar água e esgoto a toda a população, segundo os especialistas consultados. "Aqui a necessidade de recursos para universalizar o acesso à água, construir infraestrutura e melhorar a gestão é tão grande que só os recursos públicos não são suficientes", lamenta Newton Azevedo, governador do Conselho Mundial da Água. "No caso do Brasil, a solução para enfrentar as questões de saneamento é a complementaridade dos recursos públicos e privados. O próprio Governo Dilma, com o lançamento de um pacote de 200 bilhões de reais em concessões, reconhece sua limitação financeira e a necessidade do setor privado para o desenvolvimento do país. Cada país tem sua realidade", completa Azevedo.
Itu, que ameaça suspender o contrato com sua concessionária se achar irregularidades, pode se tornar, se não achar um substituto, uma exceção no país. O município afirma que ainda não tem condições de assumir o serviço, mas não descarta a possibilidade no caso de não achar uma concessionária.
Berlim: o preço do controle público
O caso de Berlim está entre os favoritos dos defensores da recuperação da gestão pública, e desde 2012 pelo menos seis cidades alemãs têm passado pelo mesmo processo. A privatização da água em Berlim em 1999, quando a empresa pública vendeu por 1,7 bilhão de euros 49,9% de suas ações ao consórcio formado pela RWE Aqua Ltd e, de novo, à francesa Veolia, foi considerada um exemplo de sucesso, menos para os seus clientes. Passados alguns anos, as empresas descumpriram várias das promessas dos seus herméticos contratos, reduziram os investimentos, descuidaram a qualidade do serviço e encareceram a conta, com um aumento de 35% em menos cinco anos. O contrato privado era tão impopular que nas eleições municipais de setembro de 2011 a remunicipalização foi parte dos programas de três dos quatro principais partidos.
A insatisfação popular se materializou em um referendo naquele ano que deu voz a 666.000 berlinenses sobre o que eles queriam fazer com sua água. 98,2% deles votaram por mais transparência, e queriam saber os termos dos contratos com as duas companhias. Após o referendo, os contratos foram publicados online e os berlinenses puderam comprovar as favoráveis condições que os investidores privados tinham se garantido graças aos aumentos da tarifa. Em 2012, Berlim comprou de volta as ações das companhias por mais de 1,3 bilhão de euros. Uma vitória cara que pode comprometer seu sucesso: o valor será repassado nas contas de água dos seus clientes por 30 anos. "Ainda é cedo para avaliar o sucesso, mas o aumento da conta em Berlim é consequência da privatização anterior, e não da remunicipalização, portanto não podemos concluir nada sob esta premissa", avalia Emanuele Lobina, pesquisador doPublic Services International Research Unit da Universidade de Greenwich.
Além de Berlim, outras cidades pagaram um custo alto, que inclui as indenizações pela rescisão dos contratos com as empresas, por recuperar a gestão dos seus recursos. A cidade de Indianópolis, nos Estados Unidos, teve que pagar 29 milhões de dólares à multinacional Veolia por encerrar o acordo dez anos antes do combinado e, na Argentina, a concessionária denunciou em um tribunal de arbitragem internacional a cidade de Buenos Aires para ser indenizada pela reversão da gestão. Nove anos depois, neste mês de abril, a Justiça reconheceu o prejuízo da Suez que deve ser indenizada pelo Governo Argentina com 405 milhões de dólares. Já conseguir a aplicação da sentença vai ser outra batalha.
Fonte: EL País