Se as discussões recentemente travadas na Batalha de Ideias servem
com indicação, parece que nós, arquitetos, estamos vivendo uma certa crise de
confiança.
Nenhuma nova visão utópica foi apresentada nos últimos 30 anos, todas essas inovações surgindo são apenas evidência, da temerosa relutância da arquitetura
em enfrentar problemas complexos ou agir como um agente legítimo para a mudança
em tudo; e depois tem o problema, manifestado por Rory Olcayto, de arquitetos
sendo intimidados por seus clientes na execução de agendas questionáveis.
Essas interpretações - de arquitetos como mansos, cautelosos,
respeitosos, com medo de responsabilidade - estão longe de ser o estereótipo do
arquiteto como artista megalomaníaco. os egos fora do controle dos
arquitetos, a falta de senso comum, e a falta de respeito pelas pessoas que
seus projetos deveriam servir.
Então arquitetos são muito tímidos para afirmar sua experiência? Ou são
inspirados em Roark, e têm o ego inflado ao ponto de "não darem ouvidos às
pessoas"?
Na verdade ambos. E é aqui que está o problema.
A visão é dirigida contra uma sub-seção especial de
arquitetos: por um lado, o grupo que nós já chamamos aqui de
"starchitects", ou mais precisamente, os arquitetos de renome que
muitas vezes são chamados para fornecer um "ícone", ou mesmo para
simplesmente provar, acima de qualquer suspeita, que a entidade financiadora do
edifício "se preocupa com o bom projeto". Por outro lado, geralmente
são práticas relativamente anônimas e sobretudo grandes, que são adeptas a
satisfazer os desejos de seus clientes comerciais - as práticas que fazem um
mantra de altas proporções de espaços rentáveis e com baixos custos de
construção.
No entanto, nem todos os arquitetos podem ser classificados nesses dois
grupos - ou pelo menos muitos fazem o seu melhor para evitar cair na armadilha
- e são essas pessoas desafortunadas que sofrem desta crise de confiança. São
os humanistas que se recusam a apresentar o seu trabalho como um jogo puro de
finanças, e não desejam reduzi-lo a alguma noção arbitrária de cultura para seu
próprio bem.
Eles são os únicos que têm sido sugados para um ciclo vicioso da
galinha-e-do-ovo, onde perder uma luta para manter relevância leva à uma crise
de confiança, o que leva a soluções de projeto "dóceis", que
por sua vez levam a uma redução ainda maior de relevância. Qual crise veio
primeiro: a confiança ou relevância? Como começou esse ciclo?
Em sua incessante busca durante os anos 1960 e 70 para
descobrir as origens e os mecanismos de poder, as ideias do filósofo francês
vieram permear toda nossa cultura, mudando para sempre o modo como nós pensamos
em relação às pessoas que detém o poder. Nestas teorias o poder está nas mãos
dos políticos (ou do guarda da prisão), e os arquitetos estão totalmente
despreparados para lidar com eles.
Essa atitude ainda corre nas veias da profissão, e enquanto se mantém
como uma solução eficiente ao problema do poder, cada vez mais o público está
vendo por trás dos panos; arquitetos estão fazendo pouca coisa além de moldar
as propostas que as próprias comunidades estão concebendo, simplesmente
aplicando uma camada de conhecimento técnico para fazer essas propostas
possíveis - daí a luta da arquitetura para permanecer relevante.Quando de repente se viram conscientes do poder que exercem e, ainda,
totalmente inexperientes para lidar com ele - e com algumas das maiores falhas
do modernismo ainda frescos em suas memórias - arquitetos recuaram frente a
soluções ousadas, fortes e confiantes. O antídoto para seu poder era a
participação comunitária, e quanto mais dela, melhor.
Além do mais, essas batalhas pela confiança e relevância não são
travadas exclusivamente nos interesses egoístas da profissão. Sem o fundo
criativo dos arquitetos, estas propostas voltadas para a comunidade são
limitadas em sua visão, apresentando versões camufladas de uma realidade já
presente, ao invés de ideias para um futuro melhor - um pouco como a famosa
piada de Henry Ford: "Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas
queriam, teriam dito cavalos mais rápidos."
Esta é a origem da cultura que tanto desapontou muitos 'palestrantes' na
Batalha de Ideias. Arquitetos têm se apoiado em um canto onde a sua capacidade
de propor novas ideias é mínima, o o medo de qualquer coisa que não tem
automaticamente amplo apoio público é enorme, e ainda por cima de tudo isso,
graças a um braço separado da profissão que não compartilha de suas
preocupações humanistas, a percepção do público sobre os arquitetos permanece a
do egoísta esotérico.
Uma vez distintos dos membros "venenosos" da profissão,
os arquitetos humanistas devem aceitar seu poder. Provavelmente muitos deles
recusarão esta sugestão (é muitas vezes acreditado que a aceitação de poder é o
primeiro passo para abusar dele); porém, é um passo crucial. Afinal, admitir
que você tem um problema é o primeiro passo para lidar com ele, e uma crise de
confiança não será resolvida com mansidão. Como então estes arquitetos mudam seu destino? A primeira parte do
processo é se separar das porções desagradáveis de sua própria profissão. claramente que
muitos arquitetos se preocupam bastante nas pessoas para quem estão projetando.
Como é que então podem ser confundidos com outros tipos de arquitetos que
claramente não o fazem? O conceito de uma profissão única que caminha para uma
única direção é falsa e prejudicial.
Finalmente, a parte mais importante do processo é a aprender. Os
arquitetos devem aprender sobre o poder e como ele se manifesta em seus
projetos. Eles devem aprender como exercer o poder de forma responsável. Isso
vai ser difícil, Foucault construiu uma carreira inteira em torno de uma
tentativa de compreender o poder, por isso é seguro dizer que os arquitetos não
serão capazes de entender tudo isso da noite para o dia.
Felizmente, no entanto, há um precedente: por um breve período em torno
dos anos 60, um certo tipo de arquiteto prosperou que tinha toda a confiança
dos modernistas, mas um respeito maior ainda pelas pessoas para quem eles
projetavam, e uma compreensão muito maior dos princípios humanistas. As ações de arquitetos
deveriam se espelhar, assim que se livrarem da crise e adotarem uma nova (e com
sorte, melhorada) era de arquitetura consciente e ainda sim confiante.